Criado em 2003 com o propósito de superar a pobreza e promover a transformação social, o Bolsa Família completou 20 anos em 2023. Beneficiando mais de 30 mil famílias em Marabá, o programa atinge principalmente aqueles que estão em vulnerabilidade social.
Apesar disso, o caminho percorrido até a realização desse feito é longo e deixa às claras uma triste realidade marabaense: 37.194 famílias sobrevivem com R$ 660 mensais.
Informações obtidas na plataforma do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, revelam que, no geral, 43.380 famílias possuem renda de até meio salário mínimo. Em dados atualizados, esse número diminui 14,26%, sendo 37.194 famílias que sobrevivem com cerca de R$ 660 por mês.
O programa Bolsa Família beneficia aqueles que sobrevivem com um terço, ou menos, do salário mínimo, o que equivale a R$ 218 por pessoa da família. Nesse caso, o sistema entende como família o grupo de pessoas que moram no mesmo imóvel.
Atualmente, R$ 600 é repassado para esse núcleo familiar, com acréscimo de R$ 150 a cada criança de zero a seis anos (no máximo duas) e mais R$ 50 para quem tem entre seis e 18 anos.
Para visualizar o retrato do Bolsa Família em Marabá, a reportagem do Correio de Carajás esteve no Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) de Morada Nova e conversou com Marcos Eduardo Milhomem dos Santos, técnico administrativo e cadastrador.
Ele relata que a maioria das pessoas que vão até o local buscando o cadastro para conseguir o benefício do Bolsa Família, alega que é de extrema vulnerabilidade, ou que não têm nenhuma renda. Costumam ser mães solo, que possuem mais de um filho. O recorte não é exclusividade de Marabá, mas um contexto social que abrange lares de todo o país.
Uma pesquisa feita pelo Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getúlio Vargas, mostra que o Brasil tem mais de 11 milhões de mães que criam filhos sozinhas. Em Marabá, das 3.991 crianças registradas entre janeiro e outubro de deste ano, 375 estão sem o nome dos genitores no documento. Os dados são do Portal da Transparência do Registro Civil.
Muitas vezes sozinhas e sem rede de apoio, essas mulheres costumam ter dificuldades em prover seus lares e daí a necessidade de serem contempladas por programas sociais. Para conceder o benefício, o Governo Federal cruza diversos dados em seu sistema. Procedimento necessário para checar se as informações repassadas ao Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico) são verdadeiras.
Para manter o recebimento, é necessário que cada beneficiado atualize seu cadastro a cada dois anos, do contrário o pagamento é cancelado. Em Marabá, o índice de atualização é de 79,16%.
Com a revisão é possível acompanhar a evolução, ou regressão, de dados relevantes para a construção de perfil de renda dos lares marabaenses.
Quase 30 mil marabaenses recebem o Bolsa Família
Em outubro deste ano, 29.975 famílias marabaenses foram beneficiadas pelo Bolsa Família, resultando em um total de 89.237 de pessoas diretamente impactadas pelo recurso.
Esse número representa um montante de R$ 21.775.137,00 pago para as famílias. Em relação ao CadÚnico, porta de entrada dessas famílias no Bolsa Família, um total de 60.828 estavam cadastradas até o décimo mês do ano. Desse número, 79,16% dos beneficiados estão com o cadastro atualizado nos últimos dois anos. Esse detalhe impacta diretamente no Índice de Gestão Descentralizada (IGD).
É a partir desse indicador, que varia de zero a um, que são calculados os repasses financeiros que o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, realiza aos municípios para ajudar na gestão do Cadastro Único e do Bolsa Família.
Além da atualização cadastral, outros três fatores são relevantes para esse índice: adesão ao Sistema Único de Assistência Social (Suas); prestação de contas pelos Fundos de Assistência Social e parecer dos Conselhos de Assistência Social das contas e do uso dos recursos.
O último repasse feito para Marabá foi no valor de R$ 97.785,43, baseado no índice de 0,77 referente ao mês de julho. Caso tivesse atingido um valor mais alto (1), o município receberia um total de R$ 105.213,50.
A diretriz que rege esse recurso dita que ele deve ser utilizado para melhorias da gestão do Bolsa Família e do CadÚnico e é assim que vem sendo feito no município.
15% da 1ª geração do Bolsa família saiu da pobreza em Marabá
A reportagem do Correio de Carajás analisou os dados referentes à Marabá e constatou que 15,8% dos dependentes de 0 a 16 anos, que em 2005 eram beneficiários do programa, continuaram a ser em 2019
PRIMEIRAS GERAÇÕES
O Instituto de Mobilidade e Desenvolvimento Social (IMDS) divulgou recentemente um estudo que rastreou a realidade dos “filhos do Bolsa Família” 14 anos depois (entre 2005 e 2019).
A reportagem do Correio de Carajás analisou os dados referentes à Marabá e constatou que 15,8% dos dependentes de 0 a 16 anos, que em 2005 eram beneficiários do programa, continuaram a ser em 2019. Outros 16,1% permaneceram no CadÚnico, mas saíram do Bolsa Família.
Chama a atenção, positivamente, que naquela época, mais da metade, ou seja, 67,3%, não integravam mais o registro oficial de indivíduos em famílias de baixa renda.
Em comparação, a quantidade de titulares que saíram da categoria baixa renda, era de 53,3% e outros 27,5% permaneciam no CadÚnico, mas não no programa Bolsa Família. Uma das possibilidades dessa diferença entre os números, é o fato de muitas famílias terem mais de um dependente, por isso a variação na porcentagem entre dependentes e titulares.
Um outro recorte social verificado é o percentual por nível de escolaridade, tanto de pessoas brancas, quanto negras.
O painel revela que 56,7% dos dependentes que saíram da faixa de baixa renda, tinham como responsáveis pessoas brancas com ensino superior completo. Já o maior percentual de saída, em relação a esse indicador, é daqueles dependentes cujos titulares (também brancos) tinham o Ensino Fundamental (anos finais) completo.
Quando se fala em pessoas negras, 80,6% dos dependentes de titulares com curso superior completo, deixaram de ser baixa renda. Entre os responsáveis que possuíam Ensino Fundamental (anos finais) completos, representam 57,1% de dependentes.
Com esse recorte é possível observar o quanto pessoas negras precisam caminhar mais que as brancas.
Enquanto a maioria das pessoas negras que conseguiram sair da linha baixa renda possuíam responsáveis com curso superior, no quadro da maioria branca o ensino fundamental completo foi suficiente.
Quando se fala em acesso ao mercado de trabalho formal, entre 2015 e 2019, 77,7% dos titulares beneficiários não tiveram esse acesso. A maioria deles possuíam ensino fundamental incompleto (68,9%), sendo que a parcela maior correspondia a mulheres negras, com 81,9%. Esses dados foram levantados através da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS).
Outros 6,8% acessaram o mercado de trabalho formal durante, no máximo, dois anos, e a maioria tinha ensino superior completo (22,2%), sendo em sua maioria homens pardos (10,9%).
Um percentual de 15,5% teve acesso a empregos por três anos ou mais (também 22,2%), majoritariamente homens brancos (30,6%).
Os dados ajudam a visualizar o retrato da sociedade marabaense em 2019 e ajudam a entender quais são as pessoas que buscam cadastramento no programa Bolsa Família.
Marabá tem índice de cobertura de 79%
Ainda que a porta de entrada para a realização de inscrição no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico), sejam os Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), é a “sede” do programa quem recebe o maior número de pessoas, em Marabá.
A coordenação do Comitê do Bolsa Família (Avenida Antônio Maia, Marabá Pioneira), atendeu 2.532 no mês de agosto (dados mais recentes).
No mesmo mês, a unidade da Nova Marabá atendeu 323 pessoas; em Morada Nova foram 456 e no Bela Vista, 274. Dados do CRAS do Bairro Amapá não foram divulgados.
As informações foram dadas ao Correio de Carajás por Benezilda Pereira Lima, coordenadora do programa Bolsa Família, em Marabá, desde 2017.
É ela quem explica para a reportagem que para ter acessos aos programas sociais do Governo Federal, os brasileiros precisam realizar seu cadastramento no CadÚnico. Esse é o passo inicial, a partir daí, o sistema executa o trabalho de conceder, ou não, benefícios nos mais diversos programas. Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida, isenção em concursos públicos e vestibulares, são alguns exemplos.
Após inscrita no sistema, a pessoal fica suscetível ao cruzamento de dados realizado pelo governo. A medida é adotada para garantir a veracidade das informações repassadas. No caso de inconsistências encontradas, uma mensagem é enviada para o celular do titular e solicita àquela pessoa, que compareça à unidade de cadastramento para realizar a atualização de sua ficha.
Uma das consultas realizadas diz respeito ao mercado de trabalho formal. Caso seja constatado que aquele beneficiário ingressou em um emprego, sua modalidade dentro do Bolsa Família muda e durante dois anos o titular passa a receber R$ 300, ou seja, metade do recurso. Este é chamado de “programa de permanência”.
Consciente com a realidade social das famílias marabaenses, Bena (como é mais conhecida), conta que não aceita que as mães retirem os filhos do cadastro. A prática é comum naqueles casos em que a criança se recusa a ir para a escola.
Isso acontece porque uma das condicionalidades do Bolsa Família é, justamente, a frequência escolar mínima, sendo de 60% para crianças de quatro a seis anos (incompletos) e 75% para quem tem entre 6 e 18 anos (incompletos) e que não tenham concluído a educação básica.
Ao retirar o filho do programa, o titular “resolve seu problema” e minimiza o risco de perder o benefício. É essa prática que Bena faz de tudo para combater e só a autoriza em casos extremos.
Sob o olhar atento e empático de Bena, o índice marabaense de acompanhamento de beneficiários de 4 a 18 anos está acima da média nacional. Em Marabá, a cobertura é de 79% e no quadro geral do Brasil, é de 76,2%.
Mais um indício de que para mudar a realidade social do brasileiro, o primeiro passo é investir na educação. (Luciana Araújo)
Correio de Carajás/Berokanfm