A data foi escolhida em homenagem ao nascimento do Mestre Verequete, artista fundamental do ritmo. De origem indígena, a palavra deriva de korimbó, que em tupi significa pau oco que produz som; já o ritmo animado vem do batuque africano.

(Foto: Divulgação)

O encontro entre as culturas dos povos originários toma forma entre caboclos ribeirinhos, agricultores e pescadores no Pará, e se consolidou como célula original da musicalidade paraense.

O Pará tem essa riqueza rítmica extraordinária: temos o siriá, a chula, retumbão, xote bragantino, guitarrada, brega, tecno melody. Mas o carimbó é o grande piloto dessa história toda”, diz Nilson Chaves, compositor, cantor e violonista, Nilson é um dos maiores artistas do Norte do Brasil e estabeleceu hinos da música amazônica, como “Sabor Açaí”, “Olho de Boto” e “Tô que tô saudade”.

O carimbó tradicional é feito pelo curimbó, tambor feito de tronco de árvore, e traz nos temas das composições o culto às belezas naturais, cantando os modos de viver do ribeirinho, sua alimentação e as lendas amazônicas.

Além do curimbó, a música tradicional conta com o ganzá, o reco-reco, o banjo, a flauta, os maracás, o afoxé e os pandeiros.

Quando a música começa a tocar, os casais formam uma roda. As mulheres fazem movimentos circulares com a saia como se fossem jogar a peça sobre a cabeça de seu par.

Os passos são marcados com um dos pés sempre à frente do corpo. Existe ainda o momento conhecido como a dança do peru, quando o dançarino precisa pegar só com a boca um lenço caído no chão.

Em seu repertório, Nilson Chaves produziu carimbós estilizados, e reforça a relevância estética do ritmo para a renovação da cena musical amazônica.

“O carimbó é uma referência importante no sentido de representatividade na minha música. Eu sou naturalmente um compositor da Amazônia, que mesmo se fizesse um samba, esse samba teria sotaque da Amazônia. Então o carimbó, como essa estrutura fundamental, sempre será uma fonte de conhecimento, de pesquisa e de evolução de cada compositor dessa nova geração. Isso é inquestionável. São nossos grandes mestres e a gente bebe o tempo todo dessa fonte, permanentemente”.

Carimbó urbano

Entre os frutos que brotam da semente do carimbó, Íris da Selva surge como destaque da nova geração. O batuque pau&corda norteia sua sonoridade, mas não a define.

A partir da tradição ancestral rítmica do caboclo ribeirinho, o músico da periferia de Belém soma ao carimbó o lirismo de suas composições existenciais.

É o olhar contemporâneo lançado pelo jovem artista trans, nascido na Amazônia urbana, forjado como músico de rua, que tem como referências os mestres e mestras do carimbó do Pará profundo, na mesma medida que reverencia o cancioneiro popular da música brasileira. Íris surpreende, com sua voz mansa, e despressuriza a velocidade do carimbó, o torna íntimo, confessional.

Íris nasceu em Icoaraci, distrito de Belém, pólo fundamental do carimbó do Norte do país, terra de Mestre Lourival Igarapé, Mestre Jaci e de Verequete.

Assim, o carimbó urbano – forjado por jovens músicos da cena independente que introduzem à poética do carimbó debates e vivências próprios da juventude periférica da cidade – torna-se o caminho inevitável de Íris, que integrou grupos como Batucada Misteriosa, Cobra Venenosa e Caranguejo no Mangal.

“Foram os músicos do batuque que abriram as portas pra mim, me acolheram e me ajudaram a encontrar meu próprio caminho no carimbó. Sem falar no contato com os mestres, que eu tenho muito carinho: Mestre Thomaz Cruz, Ney Lima, Lourival Igarapé. Também aprendi muito com Priscila Duque, Hugo Caetano, Lucas Freitas, Bruna Suelen que são pessoas que pesquisam o carimbó em aspectos distintos”, diz Íris.

Uma das atuais cenas mais efervescentes do Pará, o carimbó urbano traz nas temáticas crônicas da vivência na cidade, suas contradições socioeconômicas, combate ao racismo, ao machismo, revelando uma profunda tendência política e de resistência produzida por jovens músicos da Grande Belém.

Há ainda outras singularidades em relação ao tradicional carimbó pau&corda. Muitos dos grupos tocam com tambores feitos de tubo de PVC, e outros instrumentos como banjo também são feitos de reciclagem, além de ganzais e milheiros feitos de metais reciclados.

O carimbó tradicional traz todos os músicos com uniforme, os dançarinos também com as roupas combinando. Já o carimbo da cidade abre mão disso e cada músico do grupo tem seu estilo próprio de vestir, uma estética mais urbana, despojada, uma moda de resistência.

“Eu trabalho muito nos meus figurinos a questão da reutilização de materiais, do brilho, trago as performances que são inspiradas no movimento drag queen”, descreve Priscila Duque, uma das artistas centrais da cena e que fortaleceu debates importantes para a modernização do carimbó, como o protagonismo feminino e a presença de mulheres no curimbó, lugar historicamente masculino.

Ao lado do historiador Hugo Caetano, Priscila fundou o Cobra Venenosa em 2016, grupo que é um marco do carimbó urbano.

G1/PA

(O carimbó é uma dança folclórica brasileira, típica do estado do Pará, que surgiu no século XVII. A dança tem origem nas danças e costumes indígenas, africanos e europeus, e foi trazida ao Brasil pelos escravos africanos. O nome carimbó vem do instrumento musical indígena curimbó, um tambor artesanal feito de uma tora de pau oco, recoberta em uma das suas extremidades por couro de animal. Na língua Tupi, curi significa pau oco e m’bó significa furado. )